Resenha - Memória da Água

Livro: Memória da Água
Autora: Emmi Itäranta
Páginas: 288
Editora: Galera Record
ISBN: 9788501103116

Num futuro distante, depois de muitas guerras, a Europa foi dominada pela China, e o bem mais precioso dos tempos antigos se tornou tão escasso quanto a liberdade. A água passou a ser controlada e distribuída em cotas pelos militares. Noria é filha de um mestre do chá, uma profissão muito antiga que tem conhecimento sobre a localização das nascentes de água. Ela está sendo treinada para substituir o pai, e dentre todos os ensinamentos, ele revela à filha seu maior segredo: uma fonte natural escondida que fornece água para a família. Desamparada em um mundo destruído, ela começa a questionar o significado de tamanho privilégio. Guardar esse segredo é negar ajuda ao restante de população, e ajudá-los é colocar em risco a própria vida: os militares punem severamente quem for descoberto desfrutando de alguma fonte ilegal de água. Como o pai a ensinou, é preciso ter sabedoria para compreender o verdadeiro poder da água. Mas Noria também aprendeu que a sabedoria representa, acima de tudo, o poder de decidir seu próprio destino, a escolha entre lutar e se entregar.

 Memória da Água é um livro com uma premissa interessante e bastante crível. Acho que todo mundo já parou para pensar, pelo menos alguma vez, no problema da água e no que isso pode significar pra humanidade. A Emmi fez mais que isso, ela colocou em prática teorias que poderiam acontecer facilmente e criou uma história inusitada.

 Confesso que já estou saturada de distopias, mas essa em especial conseguiu despertar minha curiosidade. Somos levadas para um futuro onde a água é um bem bastante escasso, o governo a utiliza de forma bem restritiva e ocorre um racionamento bastante intenso por parte dos cidadãos. 

 Uma história que possui tanto sofrimento que ele chega a escorrer das páginas, aliada a uma narrativa tão leve que chega a transmitir calma. Uma combinação bastante contraditória que, por incrível que pareça, deu certo. 

 Os acontecimentos se desenvolvem de forma lenta, se assemelhando ao ritmo calmo e suave das águas. Os fatos chegam a chocar o leitor e mexer com seu íntimo justamente por tudo aquilo não estar longe da realidade, existe algo dentro de nós que começa a entender que a realidade descrita pode, de fato, acontecer em um futuro próximo. E, vou confessar, não é algo bacana de se perceber. 

 Certas coisas na obra me irritaram, como o fato de, muitas vezes, achar que fatos narrados eram desnecessários, sem falar que a parte distópica e política possui destaque, mas é inevitável pensar que ela poderia ter tido mais foco. Certas páginas que foram preenchidas com descrições da rotina da protagonista, poderiam ter sido utilizadas para nos mostrar algo maior. Apesar de ter entendido muitas das escolhas que a autora fez e o simbolismo de tudo isso. 

 Noria é uma protagonista incomum, com um discernimento incrível entre o certo e o errado e uma vontade incontestável de fazer o que é certo. Ela se arriscou em prol de algo maior e seu final não foi algo esperado, muito pelo contrário, fez parte de uma metáfora bastante interessante da autora.

 Não existe romance ao longo do livro, pelo menos não de maneira óbvia, mas depois percebemos que ele está ali, de forma subjetiva e tão sutil que só o percebemos quando já é quase tarde demais, apesar de eu ter tido a impressão de que ele estava ali ao longo de toda a narrativa e a autora nos deu dicas suaves sobre ele. 

 O livro tem bastante foco na política, na corrupção, na falta de escrúpulos e todas essas coisas que o poder faz na cabeça de um ser humano. É interessante e sombrio perceber todas essas coisas, nos damos conta de que essa realidade não se faz presente apenas na obra, mas sim no nosso cotidiano. Somos constantemente manipulados e, muitas vezes, nem nos damos conta.

 O final foi bastante aberto, mas tive a sensação de que o mais importante ali não foi mostrar como aquilo seria feito, mas sim que poderia ser feito. Não apenas por aquelas personagens, mas por nós, hoje, amanhã e em cada dia das nossas vidas. E, acreditem, se fizermos mesmo isso, podemos mudar o mundo.

 Existe algo de sublime na narração dessa autora, como ela consegue associar a água a tudo e preencher toda e qualquer lacuna com a significância dela. Existem toques místicos, leves o suficiente para não interferirem no andamento da trama. Mas o que mais me encantou foi a Emmi ter utilizado seu livro para passar uma mensagem, aliás, várias. Sim, existiram problemas de execução ao longo da narrativa e vários momentos imperfeitos, o que me fez dar uma nota regular, além da sensação de estranheza que temos durante a leitura, mas existem também uma mensagem extremamente relevante e que deveria ser lida. Cabe a você decidir se quer tomar conhecimento dela ou não.

QUOTES:

"Um único grão de areia é a mudança em todos os contornos do universo: mude uma coisa e você estará mudando tudo." 

"É fácil ficar cego quando a gente acredita que nada precisa mudar." 

"Uma vez que o espaço de silêncio que envolve um segredo foi quebrado, não é possível fazê-lo inteiro outra vez." 

"A morte é amiga próxima da água, não dá para separá-las, e também não é possível afastá-las das nossas vidas, porque representam, no último sentido, aquilo de que somos feitos: a versatilidade da água e a opressão da morte." 

"Quando a vida se resume a limites estreitos, a menor ilusão de liberdade é de grande valor." 

"Acredito que é preciso fazer escolhas difíceis todos os dias apesar de saber que não existirá recompensa."

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